9 de novembro de 2014

Perdidos na Noite, (1969)




TRILHA ORIGINAL
Midnight Cowboy (John Barry)
(Famous Harmonica:Toots Thielemans)


Perdidos na Noite (Midnight Cowboy) - 1969

Filme de 1969, do diretor inglês John Schlessinger, “Perdidos na Noite” mudou a história do cinema para sempre. Na época havia certa luta entre a Velha Hollywood – dos filmes de John Wayne, Bob Hope, Frank Sinatra, com seus roteiros de ‘heróis americanos’- e a Nova Hollywood – que queria mostrar a América como ela era, dura, fria, egoísta, com seus roteiros modernos e desafiadores. John Schlessinger, inglês culto, queria fazer o filme, baseado em romance que lera recentemente, mas não havia clima para se fazer um filme desses. Um estúdio, mais eclético e aberto, que poderia topar seria a United Artists, onde havia um diretor de produção jovem, mas considerado de grande visão. Pudera, ele havia adquirido os direitos dos filmes dos Beatles, da série A Pantera Cor de Rosa e da série James Bond... Chamava-se David Picker e era, ainda por cima, sobrinho de um dos donos do estúdio a quem dera fortunas da renda desses filmes citados. Picker admirava o diretor por um filme anterior - Darling, A Que Amou Demais, com Julie Christie, que ganhou o Oscar de melhor atriz (um grande filme!)- e acabaram conversando sobre a possibilidade de realizar o projeto difícil na visão de quase todo mundo em Hollywood.

Jon Voight e Dustin Hoffman

Detalhes: Hellman, o principal produtor, havia se separado da mulher e perdera o direito de visitar os filhos; Schlessinger fez um filme (Longe Desse Insensato Mundo, excelente!) que, na época, foi recebido como um fracasso; e Waldo Salt, o roteirista final, havia se afastado da família, vítima do Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas, proibido de trabalhar por mais de dez anos, se trancara num hotel onde se afogava na vodka todos os dias... E Midnight Cowboy foi o resultado do esforço desses três seres humanos em absoluta decadência momentânea. Pode-se dizer que uma “tempestade perfeita” gerou o filme.


Mesmo com o “toque de Midas” de David Picker, e a garantia que o filme seria de grande impacto, a produção conseguiu apenas um milhão de dólares, que era pouco dinheiro mesmo há 40 anos. Mas eles toparam, era melhor do que nada. Um dos produtores que se associaram falou de um jovem ator que fazia uma peça off-off-off-Broadway e chamava-se Dustin Hoffman. Apresentado ao projeto, o ator aceitou no ato. Mas o projeto se arrastava por falta de dinheiro. Não convencido a fazer o texto inteiro do livro, o diretor e o roteirista procuraram uma forma de fazer com que o passado do jovem texano fosse mostrado (ele explica muita coisa no filme, não poderia ser simplesmente ignorado e nem cortado fora). Então inventaram algo que chamaram de ‘flash present’, ou seja, o passado viria à memória do cowboy, assim permitindo que o filme fluísse.

Dustin Hoffman e Jon Voight

Com a demora, Dustin Hoffman recebeu o convite para fazer outro filme: A Primeira Noite de Um Homem, de Mike Nichols, que foi um tremendo sucesso. Então, aquele ator off-off-off Broadway não era mais um qualquer, mas sim uma estrela de grandeza ascendente e o seu salário não custaria o que haviam tratado antes... Mas Hoffman, que queria fazer teatro e só teatro, mas condescendia em fazer cinema para ganhar bom dinheiro e ficar conhecido, manteve a sua palavra e não alterou o seu cachê. Ele mesmo conta que ele, Gene Hackman, Robert Duvall, Marlon Brando e outros eram “totalmente contra o sucesso”, rs.

Mas o diretor, ao ver Hoffman como o engomadinho mauricinho de A Primeira Noite de Um Homem, não queria mais o ator para fazer o vagabundo sujo e doente. Então Hoffman o convidou para um café, no final da tarde, num bar que era frequentado pelas pessoas mais esquisitas de New York. Dustin Hoffman ficou dois dias sem fazer a barba e tomar banho, arrumou uma capa suja, calçou sapatos sujos e velhos, penteou os cabelos sebosos para trás e apareceu na frente de Schlessinger... O diretor disse “já entendi, o personagem é seu.” Hoffman prometeu perder peso e ficar sem tomar sol por muitas semanas.

Jon Voight
Um filme que conta a história de um garoto de programa, de sexualidade ambígua, que sai do Texas para New York a fim de viver à custa das mulheres nova-iorquinas mal amadas, carentes de atenção e de sexo, e que se junta a um vagabundo doente, morador de rua, que vive de pequenos golpes, com uma leve sugestão de amor entre os dois, mostrando orgias da alta roda, do mundo artístico. Não poderia ser aceito facilmente...

Para o papel do cowboy texano a diretora de elenco (profissão que engatinhava na época) sugeriu um jovem bonito, alto, louro e bom ator, que vira numa premiada montagem off-Broadway. Tratava-se do jovem Jon Voight (pai de Angelina Jolie). Quando se reuniram pela primeira vez, Dustin Hoffman morreu de inveja do garotão bonitão, e Jon Voight morreu de inveja da carreira já sólida do jovem Hoffman.  Mas a escolha do diretor para o papel do texano foi Michael Sarrazin, que resolveu endurecer e pediu o triplo do dinheiro oferecido... Desligaram o telefone na cara dele e se viraram para Jon Voight.


O diretor de fotografia precisava ser alguém livre dos vícios e manias dos profissionais de então. Certa noite Roman Polanski ligou para Schlessinger e sugeriu um amigo, diretor de fotografia dos seus primeiros filmes, que viera fugido da Polônia para os EUA. Adam Hollender, o amigo de Polanski, imprimiu ao filme um caráter quase experimental. É de se notar o seu trabalho filmando as multidões nas ruas de NY. Não parece um filme, mas sim um documentário. O diretor, o roteirista e o produtor estavam trabalhando há três anos no filme, e ainda não haviam filmado uma única tomada. Pediram aumento do orçamento de um milhão para três milhões, mas o estúdio só autorizou dois milhões e trezentos mil, o que foi uma festa para eles. Devido a demora, eles passaram a incorporar no filme algumas cenas estranhas e malucas que viam todos os dias nas ruas de NY.

 
Houve quem reclamasse da cena onde aparece um vagabundo bêbado deitado na frente da joalheria Thiffany’s, mas eles haviam filmado a cena real, depois incluída no filme, pois sabiam que iriam achar que era alguma crítica de costumes contra a joalheria. A cena da mulher drogada que passa um rato pelo rosto do filho foi presenciada pelo diretor, roteirista e produtor, em um café, em plena madrugada.



CURIOSIDADES
 - A namoradinha do texano, que aparece nas suas lembranças, é Jennifer Salt, a filha do roteirista que, no futuro, virou produtora de séries como Nip/Tuck e outras;

 - Schlessinger pedia que os atores caminhassem por passarelas e pontes e os filmava de longe. Os dois não entendiam nada do que estava acontecendo e nem a razão dessas caminhadas. Ambos, preocupados, começaram a criar partes dos seus personagens. Dustin colocou pedras no sapato para mancar sempre do mesmo jeito, para não haver diferença entre um mancar e outro;

  - Dustin precisava tossir muito por causa da doença do seu personagem, mas temendo fazer algo errado, começou a tossir sem parar e terminou por vomitar nas botas do cowboy, sem querer. A cena foi mantida no filme. Note a surpresa do personagem do cowboy quando diz “-Você precisava fazer isto!?” Essa fala é de Jon Voight, pê da vida com Dustin;
 
 - O terno branco que Dustin usa foi encontrado numa lata de lixo perto do metrô;
 
 - Robert Balaban, então um estudante de cinema (era sobrinho do ex-presidente da Paramount) faz a cena do banheiro do cinema.

 - A cena na qual Dustin Hoffman dá socos no capô de um táxi é real. Como a produção não tinha dinheiro para fechar uma rua de Manhattan, o diretor colocou a câmera dentro de um furgão, escondida, e pedia que os dois viessem caminhando dentro do tempo certo para chegarem à esquina quando o sinal para pedestres abre. Fizeram a cena dezena de vezes. Os atores já estavam irritados, cansados, quando, por milagre, conseguem chegar a tempo –ou quase a tempo- e lá vem o táxi que quase atropela os dois. A reação de Dustin Hoffman foi uma explosão de irritação;

 - A cena da festa-bacanal é real. Foi organizada por Andy Wharol que convidou diversos amigos e amigas para participarem. Lá estão ícones da contracultura da época como Viva, Ultra Violet, International Velvet, Taylor Mead e outros. O próprio Wharol não pôde ir pois havia sido baleado uma semana antes. As drogas são reais e o clima é muito louco;

  - Brenda Vaccaro, a grã fina que transa com o cowboy, não queria ficar nua na cena de sexo (vejam só como as coisas eram diferentes...). Uma amiga emprestou um casaco de pele de raposa e foi o que ela usou, sem nada por baixo;

  - O diretor, na fase final da montagem, entrou em crise e dizia que havia filmado um monte de merda e que ninguém, em seu juízo normal, pagaria para ver aquela porcaria;

 - A projeção feita para a diretoria do estúdio terminou com um silêncio total. Um dos donos do estúdio bateu no ombro do diretor e disse “é uma obra-prima!”;

 - Dustin Hoffman usou pedras no seu sapato durante toda filmagem para que seu personagem (que é manco) ficasse convincente em todas as cenas.

  - A participação de Sylvia Miles é a mais curta jamais indicada ao Oscar. Ela aparece em cena por apenas 6 minutos.

 - O filme tem dois temas que viraram sucesso imediato Midnight Cowboy e Everibody’s Talking, o solo de gaita é de Toots Thielemans;
  
 - A revista Variety escreveu que o filme era “constantemente sórdido”, um famoso crítico de cinema escreveu que o filme “era um desfilar de gente gritando, rastejando e vomitando...”;
 
 - Na estreia do filme foram dez minutos de aplausos da plateia ao final;

 - Um amigo de Jon Voight ligou para ele e disse que era uma loucura de gente querendo assistir ao filme. As filas davam voltas e voltas, se estendendo até 14 quarteirões de distância do cinema. O filme arrecadou o equivalente a 200 milhões de dólares no dinheiro de hoje (custou pouco mais que 2.300 milhões);
 
 - Na noite do Oscar, sem acreditar em qualquer resultado favorável, só o produtor compareceu. O filme ganhou os Oscars de melhor diretor, melhor roteiro adaptado e melhor filme. Jon Voight estava presente para apresentar o prêmio para o melhor roteiro em companhia de Fred Astaire. No escuro, no fundo do palco, enquanto esperavam ser chamados, Fred Astaire cumprimentou Jon Voight e disse “- Parabéns, foi um belo trabalho!” E Jon Voight entendeu que eram duas gerações de artistas que ali estavam, com admiração e um enorme respeito mútuo.
CRÉDITO DO TEXTO: Marco Antonio R. de Castro/viagemdecinema.blogspot




CARTAZES DO FILME 





Everybodys Talking/Nilsson (Fred Neil)
(No filme aparecem, como temas as músicas (maioria) de John Berry e também
 Nilsson com essa música, outro clássico da produção)



Perdidos na Noite (Midnight Cowboy) - 1969

SINOPSE
Joe Buck (Voight), um vaqueiro bonitão do Texas, está convenciso de que é a salvação das mulheres solitárias de Nova Iorque, e vai tentar a sorte na Big Apple. O problema é que sua abastada cliente acaba não aparecendo - e a única fortuna que encontra é a amizade de Ratso Rizzo (Hoffman), um homem cheio de grandes sonhos, desleixado e que vive à custa dos outros. Excluídos da sociedade, os dois acabam tendo uma ligação pouco promissora, que transcende seus sonhos inviáveis e seus planos de enriquecimento rápido, e transforma Perdidos Na Noite num filme único, que proporciona a mesma emoção ao público daquela causada no seu lançamento. (Premiere Magazine).


ELENCO E FICHA TÉCNICA
Dustin Hoffman, Jon Voight, Sylvia Miles, 
John McGiver, Brenda Vaccaro, Barnard Hughes, 
Ruth White, Jennifer Salt e  Gary Owes.
Diretor: John Schlesinger.
Roteiro: Waldo Salt, baseado em livro
 de James Leo Herlihy.
Produção: Jerome Hellman
País e Ano: EUA, 1969
Música: John Barry e Outros.

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